Mães
Superando o complexo de mulher maravilha
Quando eu era mais nova, mesmo até pouco antes de Benjamin nascer, eu achava que podia levar o mundo nas minhas costas. Eu vinha de um ritmo frenético desde os tempos de solteira, em que, justificadamente, eu me ocupava de muitas coisas ao mesmo tempo. Nos primeiros anos de casada, foi fácil manter o ritmo sem deixar a peteca cair e trabalhar muito, fazer doutorado, ter tempo para o marido e a casa e uma série de coisas. Nessa época, eu pensava que dava pra fazer tudo, bastava seguir uma agenda cheia a risca e ser organizada.
Então, nasce meu primeiro filho e manda minha agenda milimetricamente organizada para o espaço! Sim, eu ainda tenho uma agenda e, a não ser quando o dia me desafia e surge a agenda mental alternativa, ainda gosto de um caos organizado, por mais contraditório que pareça o termo. Creio que toda mãe de crianças pequenas sabe do que falo. É o máximo que conseguimos! Afinal crianças acordam doentes, nós temos enxaquecas, parentes e visitas queridas aparecem para almoçar e um milhão mais de coisas acontecem em nossas humildes casas.
Bom, com o tempo fui percebendo que não podia ter tudo! Que não podia ser tudo! Que não podia corresponder a tudo! Não sou a mulher gato e muito menos a mulher maravilha, não posso dar conta do que ocorre no mundo inteiro. Aos poucos, fui me despojando de umas coisas que deixaram de ser importantes, fui diminuindo outras que não precisava fazer com tanta intensidade, fui adiando outras e comprei um caderninho amarelo onde anoto as coisas que quero fazer algum dia, mas que agora sei que não é a hora de fazer. Lá estão recortes, matérias de revistas, inícios de ensaios acadêmicos que não terminei, pois a coluna não deixa, e até mesmo idéias de coisas que quero um dia fazer com o marido ou as crianças e lugares onde quero ir antes de morrer. Algumas talvez ocorrerão e outras não.
Porém antes que isto ocorresse, uma coisa me intrigava: Eu sou filha de uma mulher que me parecia fazer muitas coisas e nunca deixou os filhos e o marido para trás. Isto era uma verdade na minha vida. Como minha mãe conseguia? Alguns de vocês não sabem que dos três aos onze anos, eu fui educada na Argentina, onde meus pais serviram como missionários. Minha mãe não tinha parentes por perto! O orçamento era apertado. Só podíamos repor o estoque de roupas de inverno e as de verão só vinham quando meus avós vinham nos visitar ou quando íamos de férias ao Brasil. Sim, eu já calcei sapato apertado e tive um sapato só para todas as roupas de domingo. Ajuda externa com as tarefas maternais? apenas contávamos sempre com Uli e Andrea, duas moças da igreja que frequentavam bastante nossa casa e vez por outra davam uma mãozinha, mas minha mãe fazia de tudo um pouco e era um tratorzinho que às duas da manhã, num frio congelante, fazia a faxina da casa sem sequer tirar as botas de salto grosso! Como ela fazia uma porção de coisas sem nos deixar pra trás?
Então, quando Benjamin nasceu eu pude colocar minha mãe em perspectiva materna e lembrar de alguns detalhes. Eu sei que ela teve três filhos com 2 anos de diferença entre cada nascimento, foi morar num pais desconhecido com uma criança de 1 ano, outra de 3 e o mais velho de 5 anos e dava conta de uma série de atividades conosco, meu pai e nossa comunidade cristã e, ainda, sofria gravemente da coluna. Comecei a perceber algumas coisas, talvez comuns a muitas mulheres cristãs que como ela conseguiram êxito. Ela tinha perspectiva! Sei que minha mãe não era a única, você provavelmente deve conhecer um caso de uma mulher cristã mais velha que age assim, talvez silenciosamente. Ela sabe exatamente onde estão suas prioridades.
O mundo hoje nos lança um modelo de mulher ideal totalmente diferente. É aquele tipo de mulher que tenta dar conta de tudo e não consegue de fato nada! Que tem tudo, mas ao mesmo tempo não desfruta de nada. O casamento, o nascimento dos filhos e tudo mais é milimetricamente controlado para caber numa vida em que se age como um beija-flor, beijando todas as flores, mas no fim não tendo nenhuma. Qual é a mulher ideal, hoje em dia? É uma que tem carreira brilhante, de preferência é chefe e supera os homens para provar para alguém que consegue ser tão competitiva quanto eles, tem a casa sobre controle, consegue, ao mesmo tempo, ter uma vida com os filhos, manter o corpo sarado na acadêmia do bairro, sair com as amigas, viajar quinze dias nas férias com os filhos, quinze dias sem eles para pretensamente redescobrir a relação (é assim que dizem?) e a cada dois anos sai sozinha em peregrinação espiritual. Ela tem filhos que não acordam à noite, não se penduram em sua saia no supermercado, pois ela fez a lição de casa e lhes ensinou a terem autonomia e eles são felizes e contentes. Ela vai ao cinema com as amigas dos tempos de faculdade e ainda pratica pilates, yoga e o que mais estiver na moda. Sim! Acorda impecável, vai ao salão duas vezes por semana, suas unhas nunca quebram, sua roupa não amassa, não tem gordura localizada e ela ainda faz cursos adicionais. Se é religiosa, ela ocupa o altar falando tão bem quanto o marido para provar que nós mulheres somos uma raça superior em extinção e, além de tudo, não precisa de um homem para nada, além de ser o pai de seus planejados filhos e seu companheiro nas horas de intimidade e lazer. Ela tem luz própria e vida própria! Ah, ela anda de bike aos domingos e é ecologicamente correta. Esqueci alguma coisa? Cansei só de escrever!
A questão é: isto é humanamente possível? Quem é tudo isso levante a mão e diga amém! Eu não sou, não quero ser e não posso ser e estou muito bem resolvida com isso. Em vez de amém eu direi como meu filho: Sai pra lá!!
- Ah, diz você do outro lado, você é mais uma maluca tentando contrariar a geração anterior e passando o dia limpando bumbum. É uma Amelia retrograda reinventada! Vá fazer terapia
Eu respondo:
- Não, não sou quem você pensa! Eu não limpo bumbum e faço papinha de legumes o dia todo! Mas faço isso também e muitas vezes ao dia. Quer saber? Porém aqui vem aquele trecho, que sem nenhum pingo de frustração lhe digo que não sou e nem quero ser a mulher maravilha!
Exato! É o que você leu. O que o ideal de nossa geração propõe para a mulher hoje é algo que a escraviza e a torna alguém que não quero ser. Há coisas que são prioridades pra mim, e elas estão claras na minha mente. Há outras que posso fazer com menor freqüência, e que as faço, e há outras que no momento são impossíveis e creio que no futuro serão possíveis. Não preciso fazer tudo e ter tudo hoje, pois tenho a impressão que ter tudo e fazer tudo ao mesmo tempo me conduz vagarosamente a, de fato, não ser nada e não ter nada! Não quero iludir a mim mesma e viver culpada por não seguir metas que não se aplicam a minha vida. Comigo é assim:
- Primeiro vem minha relação com Deus
- Depois vem a missão que recebi dEle: Cuidar de minha família e dedicar tempo de qualidade ao meu marido e a maior parte do meu tempo aos pequenos. Como eles crescem surgem novas etapas e eles vão tomando conta de si mesmos. Cuido também de mim, para que possa estar bem diante das missões que tenho, mas minha vida não gira em torno do meu umbigo (graças a Deus!!!!!).
- Então, vem o cuidado com o próximo: no trabalho que faço em meio período, na igreja e em outros lugares onde possa.
-Por último sempre deixo abertas portas que são pequenos brindes no caminho. Sim! Faço coisas que gosto e que quero cultivar pra me ocupar delas no presente e talvez no futuro. São atividades que faço quando o tempo dá- escrever e ler, são algumas delas! São aqueles poucos momentos de quietude que nos fazem sossegar.
Sabem queridas, no fim de tudo lembrei de algumas regras implícitas nas atividades de minha mãe. A família era sempre prioridade. Ela sempre se ocupava de servir à igreja em coisas que pudéssemos estar com ela. Cansei de ir a reuniões de mulheres nos lares, evangelismo infantil no campino de futebol, etc. Quando ir conosco não era possível, meu pai se encarregava sozinho de fazer algumas atividades ou, se ela era imprescindível, ele ficava conosco. Se estavamos doentes, toda a agenda era suspensa! Ela não gastava tempo com sandices e bobagens! Ela sempre sabia parar para ouvir um filho e conversava conosco o quanto e quando achasse necessário. Sabia parar tudo para priorizar algo (lembro de um dia em que ela pediu a meu pai que se encarregasse dos pratos do jantar porque ela precisava orar. Poucos minutos depois chegou uma família desesperada precisando de um milagre de Deus). Ela tinha foco! Á noite, por exemplo, quando eramos bem pequenos, primeiro orava conosco, nos colocava na cama e depois encarava a pia com os pratos. Nunca o contrário. Eu sentia o cobertor sendo posto sobre meu corpo, depois que ela terminava sua tarefa domestica e apagava as luzes. No entanto, ela nunca deixou de ter seus sonhos. Já escrevia coisas que gostava, ainda lembro dos rascunhos do seu primeiro livro que nunca foi editado e creio que raramente será. Eu sempre a via lendo muito. Ela tinha o tempo de cultivar o seu espirito com hábitos que lhe davam serenidade e eram seus hobbies. Não, ela não cuidava só de nós! Então, eu aqui estou tentando aprender minha lição! Ter prioridades e gastar bem meu tempo. Quer um conselho que serve para mim e, provavelmente servirá para você? Eleja as prioridades de sua vida! Cada tempo é um em nossa vida e é sábio discernir o tempo e as estações. Viva! Não passe pela vida! Talvez você tenha que deixar pelo caminho coisas que começou. Não se desespere, deixe as portas abertas! Um dia você pode voltar e recomeçar ou continuar de onde parou. Talvez, um dia você até perceba que não quer mais aquilo.
Vou contar dois episodios que ocorreram comigo. Um dia, eu estava esperando Benjamin num determinado local. Uma ex-aluna da Universidade em que ensinei me encontrou e perguntou porque eu estava sumida. Expliquei sobre minha nova vida e sobre coisas que ainda fazia porém com bem menos intensidade. Um senhor idoso que estava ao meu lado me reprovou e afirmou que Benjamin iria crescer e eu iria ficar frustrada! Eu não deveria diminuir o ritmo. Poderia perder espaço. Outro dia, uma senhora me convidou para dar uma palestra na sua congregação. Expliquei que não podia. Eu estava dando um tempo deste tipo de atividade. Estou num tempo diferente; agora eu ajudo no departamento infantil! Retornei ao meu primeiro espaço. Ela vociferou que eu tinha um talento e que Deus cobraria de mim. Eu sorri e a abracei. Pedi para que ela orasse por mim. Eu estava naqueles dias em que não queria argumentar! Eu tenho esta louca mania de me desconectar de certos argumentos. Um defeito, creio eu. Nem sempre quero ser didática com o que penso e explicar, e falar e falar... Não sabe ela que Deus me chamou para a missão que faço agora e que dentro desta missão surgiram muitas outras! Dei de ombros! Quem sabe um dia ela entenderá que estou envolvida numa grande obra e não posso parar!
Por enquanto meu caderninho amarelo continua lotado! Há coisas dele que faço sem pressa de terminar. Faço-as para deixar portas abertas, para nutrir meu coração, para não perder certos contatos relevantes que me nutrem o intelecto. O que eu diria a essas duas pessoas é que não sou a mulher maravilha! Tenho muitos papéis na vida, faço muitas coisas, sim. Só não faço todas na mesma intensidade. Sobre minha mãe? Tudo que ela fazia em menor intensidade, hoje se tornou o foco! Hoje, ela pode se preocupar menos conosco. Eu tenho uma teoria que quanto mais tempo você gasta com seus filhos até a juventude, menos tempo você precisará ocupar com eles na idade adulta. Há excessões, mas na nossa casa foi assim. Um dia desses, ela me ligou preocupada pelas coisas que eu estava fazendo sozinha com as crianças. Até reclamou comigo. Eu lhe lembrei que quando não pudesse lhe pediria ajuda e que ela tinha sido uma excelente professora de como entreter crianças pequenas e sair para todos os lugares sozinha com elas!
Como eu falava, minha mãe tornou as portas que deixou aberta em projetos. Hoje, sua fascinação pela Psicologia se tornou uma graduação concluída. Ela já tinha uma outra, mas fez o que realmente gostava agora. Eu fiquei feliz em cooperar com isso. Seus rascunhos se tornaram livros. Suas leituras, palestras e seus filhos pequenos, são os pais de seus netos que ela beija, abraça e faz o delicioso almoço aos domingos. Sua loucura em amparar filhos alheios se tornou um projeto que acolhe crianças. Minha mãe não é perfeita, mas deixou portas abertas e hoje nenhum de nós ousa achar que tem o direito de tirar seus atuais propósitos.
Quer uma palavra amiga? Não enlouqueça! Você não precisa ser a mulher maravilha! Não é a toa, que até mesmo na ficção as heroínas que dão conta do mundo perdem a si mesmas! Tudo virá, ao seu tempo. E se não vier, você poderá achar novos sonhos. Eu, por enquanto, sou a super-marinheira com a toalha amarrada nas costas brincando com Benjamin…muitas vezes, correndo com Bia no colo, me livrando do laser do capitão tubarão (este é o último personagem que ele inventou). Não estou mandando que enlouqueça, apenas veja sua vida em outra perspectiva! Quando alguém achar que você é uma maluca, apenas sorria e deixe estar…não se meta em discussões com quem antes de conversar com você já sabia que só queria fazer você se sentir estranha! Continue em seu ritmo acelerado, mas com direção e propósito. Deus cuida do resto!
Tenha um bom dia!
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